12.1.12

CULTURA X DIVERSÃO, OU VOCÊ DANÇANDO

[Destak desta sexta, 13.jan.2012]

A relação com a música para dançar raramente é desonesta. E, sim, ainda é cultura


O que chamamos de internet 2.0, essa definida pela participação ativa do usuário na produção de conteúdo e nas redes sociais, é uma faca de dois gumes para a produção cultural. Democratizados os meios de produção e divulgação, qualquer um pode fazer sua música, seu vídeo, sua exposição de fotografias e estampar na rede. Mais: realça o papel do público sobre "o que importa", enquanto relativiza o do crítico.

Tudo isso reescreve os conceitos sobre quem é artista e sobre o que é cultura. Muita gente boa se perde nessa e até aponta metralhadoras verbais aonde não deveria. A velha pergunta “O que é cultura?”, surrada e espancada nas melhores (e piores) faculdades de ciências humanas, parece não achar respostas. Mas só para quem não quer ver que hoje faz-se cultura até no Twitter, essa praça pública de aforismos e frases de efeito que Nelson Rodrigues, Oscar Wilde e Blaise Pascal amariam.

O cantor Michel Teló, sucesso mundial made in Brazil, é obviamente um produto cultural, guiado por diretrizes que têm a ver com o gosto popular. Mirando no que viu e acertando no que não viu, atingiu-se um fenômeno internacional. O número de exibições no YouTube de “Ai, Se Eu te Pego” supera o de hits de estrelas internacionais. E esse êxito total vai falar muito sobre as exigências estéticas daqueles que abraçam a canção no momento em que elas a ouvem.

As pessoas querem dançar a seu modo e elas não fazem isso com qualquer repertório: isso impulsionou a valsa vienense, o forró nordestino, o samba, o funk carioca. Michel Teló cumpre um papel, quase um serviço, quando compreende como agradar tais fãs.

(Aliás, para efeito de contraste, há no Rio um bloco de Carnaval chamado Mulheres de Chico, que se dedica ao repertório do Buarque. Amo as músicas e as letras, mas sinceramente, não funcionam na folia: dão sono, mesmo com toda a erudição envolvida, porque não escolhem refrães fáceis, e Carnaval sem refrão não rola.)

Enfim, não é de hoje que se produz música (e cinema, e literatura, e teatro, e artes visuais) com o intuito de agradar um público e extrair o$ fruto$ desse sucesso. É uma relação raramente desonesta, e há mais artificialismo em certos discos de MPB do que em música feita simplesmente para divertir os quadris. É claro que sempre podemos perguntar o que é que a nossa cultura pretende e reflete de nós hoje. Feliz ou infelizmente, talvez tenhamos que rebolar para responder.

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