10.1.13

"Coisas baratas, pessoas caras"





Nunca tinha pisado nos Estados Unidos até decidir passar o Ano Novo em Nova York. Não vi a bola cair na Times Square sob um frio próximo de 0° porque, como se sabe, é uma tremenda roubada. Acabei passando a virada em casa de brasileiros no bairro do Harlem, onde um amigo, Rodrigo Feijão, sintetizou-me seu pensamento sobre preços nos EUA.

Eu estava impressionado com a confirmação de que os itens são bem mais baratos que no Brasil. Um computador iMac de 21,5 polegadas comprado em NY, com garantia de três anos, taxado nos EUA e declarado na Alfândega brasileira sai por cerca de R$ 3.800. O mesmo computador comprado no Brasil custa R$ 6.200, sem a mesma garantia. A mágica? Um regime de impostos muito mais racional que o nosso mais o barateamento da produção, com mão-de-obra localizada em geral da Ásia – além da abusiva margem de lucro praticada no Brasil.

Feijão, que mora lá há dois anos, resumiu para mim: “Nos EUA, as coisas são baratas e as pessoas são caras. Nenhum profissional perde com você um minuto a mais do que o necessário, porque esse tempo é caro”. Diante desse imenso poder de síntese, tive que concordar.

Não significa que americanos sejam grosseiros. Na média, prestadores de serviços e até transeuntes abordados em busca por informações são afáveis. O que fica muito claro é que, diferentemente do que é comum no Brasil, ninguém assume uma responsabilidade maior que a da sua função para fazer com que você se sinta bem. Dificilmente haverá um jeitinho para fazer uma vontade sua que não estava no script. Quem insiste em perguntas já respondidas, tentando levar alguma vantagem ou burlar alguma regra, acaba por ver um semblante claro de tédio e imediato desinteresse.

O brasileiro cordial, habituado a simpatizar a fim de dar ou obter jeitinhos, se espanta. Depois nota que a necessidade de “gerenciar o clima” nas relações de trabalho e nas prestações de serviços nos barateia muito como indivíduos: evitar o corpo-a-corpo, não se queixar, engolir o sapo do desrespeito em qualquer tipo de prestação de serviço e até no trabalho – como se toda abnegação fosse elogiável.

O fato de sabermos que existe um Brasil que só funciona para poucos privilegiados e bem relacionados alimenta esse clima de milhões de indivíduos em constante liquidação de si mesmos: pessoas que pagam mais do que precisariam num sistema que lhes dá pouco valor.

2 comentários:

Leila disse...

Trabalho nos EUA há 12 anos e discordo de um ponto. As pessoas cansam de aceitar responsabilidades demais e querer ajudar as outras. Não existe grosseria, ou a típica má vontade do brasileiro em ajudar quando não é obrigação dele ou isso o faria trabalhar mais. Mas essa ajuda tem que estar dentro das regras, leis, procedimentos aceitáveis. Sobre respeitar o tempo dos outros,isso se reflete em polidez, eficiência e profissionalismo. Reunião aqui começa na hora e acaba na hora, consultor cobra pelo tempo trabalhado e por aí vai. Cada projeto tem uma estimativa de orçamento que leva em consideração essas horas a serem usadas.

Anônimo disse...

Recomendo um livro, que ajuda a entender melhor o jeito brasileiro: Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda.