7.2.13

Carnavais que larguei pelas ruas


É  preciso respeitar meu Carnaval
– lá de onde eu sou, a coisa é séria. 
Se a cidade decidiu pela alegria,
a fantasia tem seu valor,
e é preciso receber e dar amor 
ainda que não vingue essa raiz, 
e até a quarta-feira seguir o tambor
que no meu peito bate mais feliz (é preciso!).


Minha foto preferida de Carnaval, com Alice, que estreava na folia em 2010


Os versos acima são meus, para um samba-enredo que nunca terminei. São da época em que eu decidi largar toda a minha arrogância de roqueiro-brasileiro-eurocêntrico e experimentei mergulhar no universo dos blocos de rua do Rio – acho que foi em 2006. Dei sorte de ser natural duma cidade que vive como poucas essa febre fevereira que ordena a alegria da noite de sexta até a Quarta-Feira de Cinzas.

O engraçado é que esses versos surgiram de um ficção que nunca escrevi. Sempre imaginei um morador de algum subúrbio da cidade, determinado a fazer um grande bloco no bairro para onde havia se mudado com sua mulher – e onde jamais aconteceram desfiles.

Na minha cabeça, esse obcecado por Carnaval sofria naquele bairro hipertranquilo. Levaria tempo para convencer os vizinhos da necessidade de dar a crianças, adultos e idosos a alegria que toda a cidade vivia. Não faria sentido para ele permitir que aquele oásis de tranquilidade urbana fosse imune até mesmo ao Carnaval.

O homem então arrecadaria fundos, venderia camisas do bloco, arregimentaria a banda, rabiscaria versos para uma marchinha passável; enfim, ele se responsabilizaria por tudo de modo a recriar sua ideia de Carnaval, sem ajuda dos outros, tomados pela apatia. Até que brigaria com sua mulher.

Ela se sentiria deixada de lado nesse tempo todo, explodiria raivosamente na concentração do bloco e iria embora com as crianças, enquanto o desfile iniciaria seu percurso, deixando nosso anti-herói sentado no meio-fio. O Carnaval triunfaria na vizinhança, à custa de uma grande tristeza daquele homem que quis compartilhar uma ideia de felicidade.

E aí viria um bêbado, testemunha ocular de todos os eventos, que se sentaria ao lado do homem e, dando um gole na cerveja, estenderia uma palavra de solidariedade masculina: “Essas mulheres não respeitam nem Carnaval...”

Nunca escrevi essa história, assim como não desenvolvi as estrofes do samba. É o lado bom da alegria: quanto mais improdutiva, melhor.

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